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quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

HARMONIA DA LEI E DO EVANGELHO

Lei e Graça: Uma visão reformada

Mauro Fernando Meister*
É quase um paradigma para os cristãos modernos associar o Antigo Testamento à Lei e o Novo Testamento à Graça. Em várias oportunidades propus a estudantes de seminário e na escola dominical estabelecer o relacionamento entre os termos e, invariavelmente, a resposta tem sido a seguinte relação:
LEI — Antigo Testamento
GRAÇA — Novo Testamento

I. Estamos sob a Lei ou sob a graça?

Esse questionamento reflete um entendimento confuso do ensino bíblico acerca da lei e da graça de Deus. Muitos associam a lei como um elemento pertencente exclusivamente ao período do Antigo Testamento e a graça como um elemento neotestamentário. Isso é muitas vezes o fruto do estudo apressado de textos como:
...sabendo, contudo, que o homem não é justificado por obras da lei, e sim mediante a fé em Cristo Jesus, também temos crido em Cristo Jesus, para que fôssemos justificados pela fé em Cristo e não por obras da lei, pois, por obras da lei, ninguém será justificado (Gálatas 2.16).
Porque o pecado não terá domínio sobre vós; pois não estais debaixo da lei, e sim da graça (Romanos 6.14).
E, de fato, uma leitura isolada dos textos acima pode levar o leitor a entender lei e graça como um binômio de oposição. Lei e graça parecem opostos, sem reconciliação — o cristão está debaixo da graça e conseqüentemente não tem qualquer relação com a lei. No entanto, essa leitura é falaciosa. O entendimento isolado desses versos leva a uma antiga heresia chamada antinomismo, a negação da lei em função da graça. Nessa visão, a lei não tem qualquer papel a exercer sobre a vida do cristão. O coração do cristão torna-se o seu guia e a lei se torna dispensável.1 O oposto dessa posição é o legalismo ou moralismo, que é a tendência de enfatizar a lei em detrimento da graça (neonomismo). Nesse caso, a obediência não é um fruto da graça de Deus, uma evidência da fé, mas uma tentativa de agradar a Deus e de se adquirir mérito diante dele. Exatamente contra essa idéia é que a Reforma Protestante lutou, apresentando como uma de suas principais ênfases a sola gratia.
No século XVI, os católicos acusavam os reformadores de antinomistas, de serem contrários à lei de Deus. Até mesmo o grande reformador Martinho Lutero expressou preocupação quanto a alguns de seus seguidores que, em seu zelo de proclamar a graça por tanto tempo desprezada pela Igreja, acabavam por desprezar a Lei. Desde a reforma têm aparecido movimentos enfatizando um ou outro desses aspectos, lei ou graça, sempre de forma excludente. Um dos mais recentes movimentos nessa linha, enfatizando a graça em detrimento da lei, é o dispensacionalismo. Essa forma de abordagem surgiu no século XIX, caracterizando a lei como a forma de salvação no período mosaico e o evangelho como a forma de salvação na dispensação da igreja. Esse é, possivelmente, o movimento que mais influência exerce atualmente na interpretação do papel da lei e da graça entre os evangélicos ao redor do mundo.
Em uma direção oposta, outro grande movimento foi iniciado por Karl Barth, em seu livro God, Grace and Gospel, onde argüi por uma unidade básica entre lei e graça, direcionando seu pensamento para um novo moralismo.2 Para termos uma boa idéia de como o debate ainda é atual, em 1993 foi publicado o livro Five Views on Law and Gospel, da coleção Counterpoints, no qual cinco escritores evangélicos contemporâneos expressam diferentes pontos de vista sobre a relação entre a lei e o evangelho (graça).3 Sem sombra de dúvida, o assunto ainda está muito longe de apresentar um consenso entre os evangélicos.
As implicações da forma como entendemos a relação entre lei e graça vão muito além do aspecto puramente intelectual. Esse entendimento vai, na verdade, determinar toda a forma como alguém enxerga a vida cristã e que tipo de ética esse cristão irá assumir em sua caminhada. John Hesselink, um estudioso sobre a relação entre lei e graça, exemplifica que, na década de 1960, os cristãos proponentes da ética situacionista se levantaram contra leis, regras e princípios gerais, propondo uma nova moralidade.4 Esse movimento propõe que a ética das Escrituras não é absoluta, mas depende do contexto. Nem mesmo a lei moral de Deus é absoluta; ela depende da situação. Essa proposta surgiu e se desenvolveu dentro do cristianismo tradicional, alcançando seguidores de todas as bandeiras denominacionais, praticamente sem restrições. A lei não tem mais qualquer papel determinante na ética cristã; o que determina a ética cristã é o “princípio do amor,” conclui o movimento. A conseqüência dessa conclusão é que a graça suplanta a lei. As decisões éticas devem ser tomadas levando em consideração o princípio do amor. Tome-se por exemplo a questão do aborto no caso de estupro. Aprová-lo nessas circunstâncias é um ato de amor baseado no princípio do amor à mãe que foi estuprada. Ou mesmo a questão da pena de morte. Ela não se encaixa no princípio do amor ao próximo e, portanto, não pode ser uma prática cristã. Até mesmo situações como o divórcio passam a ser aceitáveis pelo princípio do amor. A separação de casais passa a ser aceitável pelo mesmo princípio. O mesmo acontece com o homossexualismo. Aceitar o homossexualismo passa a ser um ato de amor, e portanto, essa prática não pode ser considerada como pecado, ou, se assim considerada, é um pecado aceitável.
Mas seria essa a verdadeira conclusão do cristianismo e o verdadeiro ensino das Escrituras sobre a lei? É isso que o estudo das Escrituras e o cristianismo histórico nos ensinam? Nas páginas a seguir avaliaremos o pensamento de Calvino a respeito dessa questão e a aplicação calvinista refletida na Confissão de Fé de Westminster (CFW).

II. O Uso da Lei

Para entendermos bem o uso da lei precisamos entender o que são o pacto das obras e o pacto da graça. Assim, é prudente começarmos por esclarecer o que são esses pactos e qual o conceito de lei que está envolvido na questão.
Pacto das Obras e Pacto da Graça5 é a terminologia usada pela Confissão de Fé de Westminster6 para explicar a forma de relacionamento adotada por Deus para com as suas criaturas, os seres humanos. Mais do que isso, essa terminologia reflete o sistema teológico adotado pelos reformados, conhecido como teologia federal.7 De forma bem resumida, podemos dizer que o pacto das obras é o pacto operante antes da queda e do pecado. Adão e Eva viveram originalmente debaixo desse pacto e sua vida dependia da sua obediência à lei dada por Deus de forma direta em Gênesis 2.17 — não comer da árvore do conhecimento do bem e do mal.8 Adão e Eva descumpriram a sua obrigação, desobedeceram a lei e incorreram na maldição do pacto das obras, a morte.
O pacto da graça é a manifestação graciosa e misericordiosa de Deus, aplicando a maldição do pacto das obras à pessoa de seu Filho, Jesus Cristo, fazendo com que parte da sua criação, primeiramente representada em Adão, e agora representada por Cristo, pudesse ser redimida. Porém, a lei antes da queda não se resume à ordem de não comer do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal. A lei não deve ser reduzida a um aspecto somente. Existem outras leis, implícitas e explícitas, no texto bíblico. Por exemplo, a descrição das bênçãos em Gênesis 1.28 aparece nos imperativos sede fecundos, multiplicai-vos, enchei a terra e dominai. Esses imperativos foram ordens claras do Criador a Adão e sua esposa e, por conseguinte, eram leis. O relacionamento de Adão com o Criador estava vinculado à obediência, a qual ele era capaz de exercer e assim cumprir o papel para o qual fora criado. No entanto, o relacionamento de Adão com Deus não se limitava à obediência. Esse relacionamento, acompanhado de obediência, deveria expandir-se de maneira que nele o Deus criador fosse glorificado e o ser humano pudesse ter plena alegria em servi-lo. A Confissão de Fé nos fala da lei de Deus gravada no coração do homem (CFW 4.2). Essa lei gravada no coração do ser humano reflete o tipo de intimidade reservada por Deus para as suas criaturas.
Nesse contexto podemos perceber que a lei tinha um papel orientador para o ser humano. Para que o seu relacionamento com o Criador se mantivesse, o homem deveria ser obediente e assim cumprir o seu papel. A obediência estava associada à manutenção da bênção pactual. A não obediência estava associada à retirada da bênção e à aplicação da maldição. A lei, portanto, tinha uma função orientadora. O ser humano, desde o princípio, conheceu os propósitos de Deus através da lei. Tendo quebrado a lei, ele tornou-se réu da mesma e recebeu a clara condenação proclamada pelo Criador: a morte.
O que acontece com essa lei depois da queda e da desobediência? Ela tem o mesmo papel? Ela possui diferentes categorias? Por que Deus continuou a revelar a sua lei ao ser humano caído?

III. De que Lei estamos Falando?

A revelação da lei de Deus, como expressão objetiva da sua vontade, encontra-se registrada nas Escrituras. Esse registro, que começou nos tempos de Moisés, fala-nos da lei que Deus deu a Adão e também aos seus descendentes. Essa lei foi revelada ao longo do tempo. Dependendo das circunstâncias e da ocasião em que foi dada, possui diferentes aspectos, qualidades ou áreas sobre as quais legisla. Assim, é importante observar o contexto em que cada lei é dada, a quem é dada e qual o seu objetivo manifesto. Só assim poderemos saber a que estamos nos referindo quando falamos de Lei.
A Confissão de Fé, no capítulo 18, divide esses aspectos em lei moral, civil e cerimonial. Cada uma tem um papel e um tempo para sua aplicação:
(a) Lei Civil ou Judicial – representa a legislação dada à sociedade israelita ou à nação de Israel; por exemplo, define os crimes contra a propriedade e suas respectivas punições.
(b) Lei Religiosa ou Cerimonial – representa a legislação levítica do Velho Testamento; por exemplo, prescreve os sacrifícios e todo o simbolismo cerimonial.
(c) Lei Moral – representa a vontade de Deus para o ser humano, no que diz respeito ao seu comportamento e aos seus principais deveres.
A. Toda a Lei é aplicável aos nossos dias?
Quanto à aplicação da Lei, devemos exercitar a seguinte compreensão:
(a) A Lei Civil tinha a finalidade de regular a sociedade civil do estado teocrático de Israel. Como tal, não é aplicável normativamente em nossa sociedade. Os sabatistas erram ao querer aplicar parte dela, sendo incoerentes, pois não conseguem aplicá-la, nem impingi-la, em sua totalidade.
(b) A Lei Religiosa tinha a finalidade de imprimir nos homens a santidade de Deus e apontar para o Messias, Cristo, fora do qual não há esperança. Como tal, foi cumprida com sua vinda. Os sabatistas erram ao querer aplicar parte da mesma nos dias de hoje e ao mesclá-la com a Lei Civil.
(c) A Lei Moral tem a finalidade de deixar bem claro ao homem os seus deveres, revelando suas carências e auxiliando-o a discernir entre o bem e o mal. Como tal, é aplicável em todas as épocas e ocasiões. Os sabatistas acertam ao considerá-la válida, porém erram ao confundi-la e ao mesclá-la com as outras duas, prescrevendo um aplicação confusa e desconexa.9
Assim sendo, é fundamental que, ao ler o texto bíblico, saibamos identificar a que tipo de lei o texto se refere e conhecer, então, a aplicabilidade dessa lei ao nosso contexto. As leis civis e cerimoniais de Israel não têm um caráter normativo para o povo de Deus em nossos dias, ainda que possam ter outra função como, por exemplo, ensinar-nos princípios gerais sobre a justiça de Deus. Portanto, a lei que permanece “vigente” em nossa e em todas as épocas é a lei moral de Deus. Ela valeu para Adão assim como vale para nós hoje. Isto implica que estamos, hoje, debaixo da lei?
B. Estamos sob a Lei ou sob a Graça de Deus?
Muitas interpretações erradas podem resultar de um entendimento falho das declarações bíblicas de que “não estamos debaixo da lei, e sim da graça” (Romanos 6.14). Se considerarmos que os três aspectos da lei de Deus apresentados acima são distinções bíblicas, podemos afirmar:
(a) Não estamos sob a Lei Civil de Israel, mas sob o período da graça de Deus, em que o evangelho atinge todos os povos, raças, tribos e nações.
(b) Não estamos sob a Lei Religiosa de Israel, que apontava para o Messias, foi cumprida em Cristo, e não nos prende sob nenhuma de suas ordenanças cerimoniais, uma vez que estamos sob a graça do evangelho de Cristo, com acesso direto ao trono, pelo seu Santo Espírito, sem a intermediação dos sacerdotes.
(c) Não estamos sob a condenação da Lei Moral de Deus, se fomos resgatados pelo seu sangue, e nos achamos cobertos por sua graça. Não estamos, portanto, sob a lei, mas sob a graça de Deus, nesses sentidos.
Entretanto...
(a) Estamos sob a Lei Moral de Deus, no sentido de que ela continua representando a soma de nossos deveres e obrigações para com Deus e para com o nosso semelhante.
(b) Estamos sob a Lei Moral de Deus, no sentido de que ela, resumida nos Dez Mandamentos, representa o caminho traçado por Deus no processo de santificação efetivado pelo Espírito Santo em nossa pessoa (João 14.15). Nos dois últimos aspectos, a própria Lei Moral de Deus é uma expressão de sua graça, representando a revelação objetiva e proposicional de sua vontade.10

IV. Os Três usos da Lei11

Para esclarecer a função da lei de Deus dada por intermédio de Moisés12 nas diferentes épocas da revelação, Calvino usou a seguinte terminologia:
A. O Primeiro Uso da Lei: Usus Theologicus
É a função da lei que revela e torna ainda maior o pecado humano. Segue o ensino de Paulo em Romanos 3.20 e 5.20:
...visto que ninguém será justificado diante dele por obras da lei, em razão de que pela lei vem o pleno conhecimento do pecado.
Sobreveio a lei para que avultasse a ofensa; mas onde abundou o pecado, superabundou a graça.13
Calvino aponta para esse papel da lei diante da realidade do homem caído. Sendo o pecado abundante, vivemos no tempo em que a lei exerce o “ministério da morte” (2 Co 3.7) e, por conseguinte, “opera a ira” (Rm 4.15).
Cabe aqui uma nota sobre a terminologia dos reformadores (especialmente Calvino) a respeito da lei. A palavra lei é usada em pelo menos dois sentidos distintos, que devem ser entendidos a partir do contexto. Em alguns casos o termo lei é usado como um sinônimo de Antigo Testamento, da mesma forma como Evangelho é usado como um sinônimo de Novo Testamento. Em outros contextos o termo lei é usado como uma categoria especial referente ao seu uso como categoria de comando, um mandamento direto expressando a vontade absoluta de Deus sobre alguma coisa, sem promessa. É dessa forma que Calvino interpreta a lei em 2 Co 3.7, Rm 4.15 e 8.15. Nesse sentido, o binômio que se confirma é o binômio Lei x Evangelho. O mandamento que não traz salvação versus a graça salvadora de Deus. Porém, não podemos esquecer que é o próprio Antigo Testamento que nos apresenta a promessa da salvação de Deus, a sua graça operante sobre os crentes da antiga dispensação.
Em Romanos, Paulo aponta para a perfeição da lei, que, se obedecida, seria suficiente para a salvação. Porém, nossa natureza carnal confronta-se com a perfeição da lei, e essa, dada para a vida, torna-se em ocasião de morte. Uma vez que todos são comprovadamente transgressores da lei, ela cumpre a função de revelar a nossa iniqüidade.
Explicando isso, Calvino comenta:
Ainda que o pacto da graça se ache contido na lei, não obstante Paulo o remove de lá; porque ao contrastar o evangelho com a lei, ele leva em consideração somente o que fora peculiar à lei em si mesma, ou seja, ordenança e proibição, refreando assim os transgressores com a ameaça de morte. Ele atribui à lei suas próprias qualificações, mediante as quais ela difere do evangelho. Contudo, pode-se preferir a seguinte afirmação: “Ele só apresenta a lei no sentido em que Deus, nela, se pactua conosco em relação às obras.14
B. O Segundo Uso da Lei: Usus Civilis
É a função da lei que restringe o pecado humano, ameaçando com punição as faltas contra ela mesma.15 É certo que essa função da lei não opera nenhuma mudança interior no coração humano, fazendo-o justo ou reto ao obedecê-la. A lei opera assim como um freio, refreando “as mãos de uma ação extrema.”16 Portanto, pela lei somente o homem não se torna submisso, mas é coagido pela força da lei que se faz presente na sociedade comum. É exatamente isto que permite aos seres humanos uma convivência social. Vivemos em sociedade para nos proteger uns dos outros. Com o tempo, o homem pode aprender a viver com tranqüilidade por causa da lei de Deus que nos restringe do mal. O homem é capaz, por causa da lei de Deus, de copiá-la para o seu próprio bem. É até mesmo capaz de criar leis que refletem princípios da justiça de Deus. Calvino menciona o texto de 1 Timóteo 1.9-10 para mostrar essa função da lei:
...tendo em vista que não se promulga lei para quem é justo, mas para transgressores e rebeldes, irreverentes e pecadores, ímpios e profanos, parricidas e matricidas, homicidas, impuros, sodomitas, raptores de homens, mentirosos, perjuros e para tudo quanto se opõe à sã doutrina...
Assim, a lei exerce o papel de coerção para esses transgressores e evita que esse tipo de mal se alastre ainda mais amplamente no seio da sociedade humana. Essa ação inibidora da lei cumpre ainda um outro papel importante no caso dos eleitos não regenerados. Ela serve como um aio, um condutor a Cristo, como diz Paulo em Gálatas 3.24: “...de maneira que a lei nos serviu de aio para nos conduzir a Cristo, a fim de que fôssemos justificados por fé.” Dessa forma ela serviu à sociedade judia e serve à sociedade humana como um todo. Da mesma forma essa lei serve ao eleito ainda não regenerado. Ele, antes da manifestação da sua salvação, é ajudado pela lei a não cometer atrocidades, não como uma garantia de que não fará algo terrível, mas como uma ajuda, pelo temor da punição.
C. O Terceiro Uso da Lei
Esse uso da lei só é válido para os cristãos — ensina-os, a cada dia, qual a vontade de Deus.17 Segundo o texto de Jeremias 31.33, a lei de Deus seria escrita na mente e no coração dos crentes:
Porque esta é a aliança que firmarei com a casa de Israel, depois daqueles dias, diz o SENHOR: Na mente, lhes imprimirei as minhas leis, também no coração lhas inscreverei; eu serei o seu Deus, e eles serão o meu povo.
Se a lei de Deus está impressa na mente e escrita no coração dos crentes, qual a função da lei escrita por Moisés? Ela é realmente necessária? Não basta um coração convertido, amoroso e cheio de compaixão para conhecer a vontade de Deus? A “lei do amor” e a consciência do cristão orientado pelo Espírito Santo não bastam? Não seria suficiente apenas termos a paz de Cristo como árbitro de nossos corações? (Cl 3.15).
Creio que não é bem assim. A lei, assim como no Éden, tem ainda um papel orientador para os cristãos. Embora eles sejam guiados pelo Espírito de Deus, vivendo e dependendo tão somente da sua maravilhosa graça, a “lei é o melhor instrumento mediante o qual melhor aprendam cada dia, e com certeza maior, qual seja a vontade de Deus, a que aspiram, e se lhes firme na compreensão.”18 A paz de Cristo como o árbitro dos corações só é clara quando conhecemos com clareza a vontade de Deus expressa na sua lei. Deus expressa sua vontade na sua lei e essa se torna um prazer para o crente, não uma obrigação. Calvino exemplifica com a figura do servo que de todo o coração se empenha em servir o seu senhor, mas que, para ainda melhor servi-lo, precisa conhecer e entender mais plenamente aquele a quem serve. Assim, o crente, procurando melhor servir ao seu Senhor empenha-se em conhecer a sua vontade revelada de maneira clara e objetiva na lei.
A lei também serve como exortação para o crente. Ainda que convertidos ao Senhor, resta em nós a fraqueza da carne, que pode ser, no linguajar de Calvino, chicoteada pela lei, não permitindo que estejamos à mercê da inércia da mesma.
Vejamos alguns exemplos do relacionamento entre o crente do Antigo Testamento e o terceiro uso a lei. Primeiramente, podemos observar o prazer do salmista ao falar da lei no Salmo 19.7-14:
A lei do SENHOR é perfeita e restaura a alma; o testemunho do SENHOR é fiel e dá sabedoria aos símplices.
Os preceitos do SENHOR são retos e alegram o coração; o mandamento do SENHOR é puro e ilumina os olhos.
O temor do SENHOR é límpido e permanece para sempre; os juízos do SENHOR são verdadeiros e todos igualmente justos.
São mais desejáveis do que ouro, mais do que muito ouro depurado; e são mais doces do que o mel e o destilar dos favos.
Além disso, por eles se admoesta o teu servo; em os guardar, há grande recompensa.
Quem há que possa discernir as próprias faltas? Absolve-me das que me são ocultas.
Também da soberba guarda o teu servo, que ela não me domine; então, serei irrepreensível e ficarei livre de grande transgressão.
As palavras dos meus lábios e o meditar do meu coração sejam agradáveis na tua presença, SENHOR, rocha minha e redentor meu.
Que princípio de morte opera nessa lei, segundo o salmista? Nenhum. Para o regenerado, o crente no Senhor, a lei é prazer, é desejável, inculca temor, restaura a alma e lhe dá sabedoria. Isso de alguma forma parece contradizer os ensinos do Novo Testamento. O terceiro uso da lei é claro para o salmista. A lei em si não faz nenhuma dessa coisas, mas para o coração regenerado ela traz prazer e alegria. Na lei o salmista reconhece a sua rocha, o seu redentor, Jesus Cristo: “rocha minha e redentor meu.”
Observe também o Salmo 119.1-20:
Bem-aventurados os irrepreensíveis no seu caminho, que andam na lei do SENHOR.
Bem-aventurados os que guardam as suas prescrições e o buscam de todo o coração; não praticam iniqüidade e andam nos seus caminhos.
Tu ordenaste os teus mandamentos, para que os cumpramos à risca.
Tomara sejam firmes os meus passos, para que eu observe os teus preceitos.
Então, não terei de que me envergonhar, quando considerar em todos os teus mandamentos.
Render-te-ei graças com integridade de coração, quando tiver aprendido os teus retos juízos.
Cumprirei os teus decretos; não me desampares jamais.
De que maneira poderá o jovem guardar puro o seu caminho? Observando-o segundo a tua palavra.
De todo o coração te busquei; não me deixes fugir aos teus mandamentos.
Guardo no coração as tuas palavras, para não pecar contra ti.
Bendito és tu, SENHOR; ensina-me os teus preceitos.
Com os lábios tenho narrado todos os juízos da tua boca.
Mais me regozijo com o caminho dos teus testemunhos do que com todas as riquezas.
Meditarei nos teus preceitos e às tuas veredas terei respeito.
Terei prazer nos teus decretos; não me esquecerei da tua palavra.
Sê generoso para com o teu servo, para que eu viva e observe a tua palavra.
Desvenda os meus olhos, para que eu contemple as maravilhas da tua lei.
Sou peregrino na terra; não escondas de mim os teus mandamentos.
Consumida está a minha alma por desejar, incessantemente, os teus juízos.
De onde vem esse desejo do salmista pelos juízos de Deus? Da lei que opera sobre o homem natural? Certamente que não. Mas para o homem regenerado a lei de Deus se torna objeto de desejo da alma. A lei é maravilhosa para aquele que tem os olhos abertos pelo Senhor. Amar a lei de Deus é ensino claro das Escrituras para os regenerados. Viver na lei de Deus é bênção para o cristão, para o salvo. Ela é o nosso orientador para melhor conhecermos a vontade do nosso Senhor e assim melhor servi-lo. Observe que o viver segundo a lei de Deus é considerado uma bem-aventurança, é como ter fome e sede de justiça.
Pergunto: O que seria do cristão sem a lei para orientá-lo? Como conheceria ele a vontade de Deus? (essa, aliás, é uma das perguntas mais freqüentes entre os crentes no seu dia-a-dia). Ele seria um perdido, buscando respostas em seu próprio coração, na igreja, no consenso eclesiástico, na autoridade de alguém que considerasse superior. Mas o crente tem a lei de Deus, expressando objetivamente qual é o desejo do Criador para a criatura, qual o desejo do Pai para seus filhos.
Mas essa visão da lei não nos traz de volta ao legalismo? Estamos então novamente debaixo da lei? Certamente que não. Para bem entendermos a posição bíblica expressa por Calvino sobre a lei no pacto da graça, precisamos entender também como ele relaciona Cristo e a Lei.

V. Cristo e a Lei

Precisamos entender que Cristo satisfez e cumpriu a lei de forma plena e completa. Ele não veio revogar a lei. Façamos uma breve análise de Mateus 5.17-19:
Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas; não vim para revogar, vim para cumprir. Porque em verdade vos digo: até que o céu e a terra passem, nem um i ou um til jamais passará da Lei, até que tudo se cumpra. Aquele, pois, que violar um destes mandamentos, posto que dos menores, e assim ensinar aos homens, será considerado mínimo no reino dos céus; aquele, porém, que os observar e ensinar, esse será considerado grande no reino dos céus.
Alguns pontos interessantes são demonstrados por Jesus nessa passagem:
(a) Ele veio cumprir a lei e não revogá-la.
(b) A lei seria cumprida totalmente, em todas as suas exigências e em todas as suas modalidades (moral, cerimonial e civil) enquanto houvesse sentido em fazê-lo.
(c) Aquele que viola a lei pode chegar ao Reino dos Céus! (“aquele que violar...será considerado mínimo no reino dos céus.”) O sermão do monte é um sermão para crentes e o texto pode ser entendido dessa forma.
(d) Aquele que cumpre a lei será considerado grande no Reino dos Céus.
Como entender essas conclusões de Jesus com respeito a si mesmo e à Lei?
(a) Ele veio cumprir a lei e de fato a cumpriu em todas as suas dimensões: cerimonial, civil e moral. Não houve qualquer aspecto da lei para o qual Cristo não pudesse atentar e cumprir. Cristo cumpriu a lei de forma perfeita, sendo obediente até a própria morte. Ele tomou sobre si a maldição da lei. Ele se torna o fundamento da justificação para o eleito.
(b) Ele não só cumpriu a lei perfeitamente, mas também interpretou a lei de forma perfeita, permitindo aos que comprou na cruz, entendê-la de forma mais completa, mais abrangente.
(c) Os que nele crêem agora também podem cumprir os aspectos necessários da lei para uma vida santa. No entanto, esses que por ele são salvos não são mais dependentes da lei para a sua salvação. Por isso há uma diferença clara entre os que chegam ao Reino dos Céus: alguns serão considerados maiores do que outros.
(d) Cristo, ao cumprir a lei, ab-roga a maldição da lei, mas não a sua magisterialidade.19 A lei continua com o seu papel de ensinar ao ser humano a vontade de Deus. A ab-rogação da maldição da lei é aquilo a que Paulo se refere em textos como Rm 6.14 e Gl 2.16 — estamos debaixo da graça! A lei continua no seu papel de nos ensinar, pela obra do Espírito Santo. Não somos mais condenados pela lei nem servos da mesma. A lei, por expressar a vontade de Deus, se nos torna um prazer.
Johnson resume o material sobre Cristo e a lei no pensamento de Calvino da seguinte forma:
O ponto principal, claro, é que Cristo cumpriu a lei em todos os aspectos, seja no vivê-la, no submeter-se à maldição da lei para satisfazer a sua exigência de punição dos transgressores, ou restabelecendo sobre outras bases a possibilidade de cumprir aquilo que a lei requer. Cristo, em outras palavras, satisfez tudo o que a lei exigiu ou pode vir a exigir da humanidade. A justificação que estava associada à lei agora pertence completamente a Cristo.20
Portanto, nossa obediência à lei não acontece e não pode acontecer sem Cristo. Tentar viver debaixo da lei, sem Cristo, é submeter-se à escravidão. Porém, obedecer à lei com Cristo é prazer e vida. Também, nesse sentido, Cristo é o fim da lei!

Conclusão

Como fica o aparente paradoxo inicial entre a Lei e Graça? Como corrigir essa visão distorcida? Mais uma vez creio que a visão correta da Confissão de Fé pode nos ajudar a entendê-lo:
Este pacto da graça é freqüentemente apresentado nas Escrituras pelo nome de Testamento, em referência à morte de Cristo, o testador, e à perdurável herança, com tudo o que lhe pertence, legada neste pacto.
Este pacto no tempo da lei não foi administrado como no tempo do Evangelho. Sob a lei foi administrado por promessas, profecias, sacrifícios, pela circuncisão, pelo cordeiro pascoal e outros tipos e ordenanças dadas ao povo judeu, prefigurando, tudo, Cristo que havia de vir; por aquele tempo essas coisas, pela operação do Espírito Santo, foram suficientes e eficazes para instruir e edificar os eleitos na fé do Messias prometido, por quem tinham plena remissão dos pecados e a vida eterna: essa dispensação chama-se o Velho Testamento.
Sob o Evangelho, quando foi manifestado Cristo, a substância, as ordenanças pelas quais este pacto é dispensado são a pregação da palavra e a administração dos sacramentos do batismo e da ceia do Senhor; por estas ordenanças, posto que poucas em número e administradas com maior simplicidade e menor glória externa, o pacto é manifestado com maior plenitude, evidência e eficácia espiritual, a todas as nações, aos judeus bem como aos gentios. É chamado o Novo Testamento. Não há, pois, dois pactos de graça diferentes em substância mas um e o mesmo sob várias dispensações (CFW 7.4–6).
Portanto, ao relacionarmos lei e graça devemos nos lembrar dos diversos aspectos e nuanças que estão envolvidos nesses termos.
Primeiramente, encontramos tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, a graça de Deus. Ele não reserva a sua graça somente para o período do Novo Testamento como muitos pensam. Tanto no Antigo quanto no Novo Testamento podemos ver Deus agindo graciosamente, salvando aqueles que crêem na promessa do Redentor. Assim Abel, Enoque, Noé, Abraão e todos os santos do Antigo Testamento foram remidos. Nenhum deles foi salvo por obediência à Lei, ainda que o Senhor requeresse deles, assim como requer de nós, que sejamos obedientes.
Em segundo lugar, a lei opera para vida ou morte no pacto das obras e somente para a morte no pacto da graça. No pacto das obras, por mérito, o homem poderia continuar vivo e merecer a “árvore da vida.” Portanto, pela obediência o homem viveria. No pacto da graça a lei opera para condenação do homem caído. Porque o homem já está condenado, ele não pode mais cumprir a lei e ela lhe serve para a morte.
Por último, o crente se beneficia da lei estando debaixo da obra redentora de Cristo. O mérito de Cristo, sendo obediente à lei até as últimas conseqüências, compra-nos o benefício da salvação e a graça de conhecermos a vontade de Deus pela sua lei. O único modo de o ser humano ser salvo é submeter-se totalmente àquele que, por mérito, compra-lhe a salvação. Ainda aqui o homem é beneficiado pela Lei. Cristo a cumpre e declara justificado aquele por quem ele morre.
Portanto, o nosso gráfico do início deveria ser modificado para refletir a verdade bíblica sobre a Lei e a Graça de Deus:
Disp. do Antigo Testamento ------------------ Disp. do Novo Testamento
Obras
Graça – obras como fruto da fé
Lei Evangelho – obediência à lei como conseqüência
Lei –justifica na obediência
Lei – condena o não eleito
Usus Theologicus
“Aquele que tem os meus mandamentos e os guarda, esse é o que me ama; e aquele que me ama será amado por meu Pai, e eu também o amarei e me manifestarei a ele” (João 14.21).

Notas

1 Sobre esse assunto, verificar o artigo W. R. Godfrey, “Law and Gospel,” em New Dictionary of Theology, eds. Sinclair Ferguson e David F. Wright (Leicester: InterVarsity, 1988), 379.
2 Ibid, 380.
3 Greg Bahnsen et al., Five Views on Law and Gospel (Grand Rapids: Zondervan, 1996). Os cinco autores são Greg Bahnsen, Walter Kaiser Jr., Douglas Moo, Wayne Strickland e Willem VanGemeren.
4 John Hesselink, “Christ, the Law and the Christian: An Unexplored Aspect of the Third Use of the Law in Calvin´s Theology,” em B. A. Gerrish, Refomatio Perennis (Pittsburgh: Pickwick Press, 1981), 12.
5 Calvino usa com certa freqüência a expressão pacto da graça [por exemplo, Comentário à Sagrada Escritura: Romanos (São Paulo: Parácletos, 1997), 277; As Institutas, vol. 2, trad. Waldyr Carvalho Luz (São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1985), 3.17.15; 4.13.6. (A numeração refere-se ao livro, capítulo e parágrafo respectivamente. A citação da página, quando necessária, vem após o parágrafo, separada por vírgula).
6 Adotada como padrão de fé pela Igreja Presbiteriana do Brasil e por várias outras igrejas reformadas no mundo.
7 Ver meu artigo “Uma Breve Introdução ao Estudo do Pacto,” Fides Reformata 3.1 (1998), 110-122, especialmente 111-112.
8 Mais detalhes sobre a lei em “Uma Breve Introdução ao Estudo do Pacto (II),” Fides Reformata 4.1 (1999), 89-102.
9 F. Solano Portela, “Pena de Morte - Uma Avaliação Teológica e Confessional”, publicação eletrônica - http://www.ipcb.org.br/publicacoes/pena_de_morte.htm
10 Ibid.
11 Uma discussão muito esclarecedora do assunto se encontra em Merwyn S. Johnson, “Calvin’s Handling of the Third Use of the Law and Its Problems,” Calviniana: Ideas and Influences of Jean Calvin, 10 (1988), 33-50.
12 As Institutas, 2.7.1, 109.
13 Ibid., 2.7.7.
14 Calvino, Romanos, 277. Parte do comentário de Romanos 8.15.
15 As Institutas, 2.7.10.
16 Ibid., 2.7.10, 119.
17 Ibid., 2.7.12
18 Ibid., 2.7.12, 121.
19 As Institutas, 2.7.14, 123.
20 Johnson, “Calvin’s Handling,” 44.



terça-feira, 25 de janeiro de 2011

FÓRUM: A HARMONIA DA LEI E DO EVANGELHO

2Tm 3.16,17
"Toda Escritura divinamente inspirada é proveitosa para ensinar, para redargüir, para corrigir, para instruir em justiça, para que o homem de Deus seja perfeito e perfeitamente instruído para toda boa obra."

A rejeição da Lei e a abolição do Evangelho -por Jorge Fernandes Isah

Ao ler o trecho abaixo, veio-me à mente o quanto o entendimento da Lei tem sido preterido e negligenciado entre os cristãos, ao ponto de, com raras exceções, todos considerarem que, de alguma forma, com a encarnação do Senhor, ocorreu também a abolição da lei. Este é um comentário sobre essa falsa premissa, que espero, se Deus quiser, complementarei em futuras postagens.

Primeiramente, vamos à frase: “As leis cerimoniais, as leis civis e o código penal foram anulados, e a lei moral recebeu mais esclarecimentos na pessoa e nos ensinos de Jesus Cristo"[1].

Ora, o que temos aqui? Se Cristo veio cumprir a lei, e elevou-a a condição muito superior, ao ponto em que não se é preciso cometer o delito, mas somente idealizá-lo para que o pecado seja consumado, como a lei foi anulada? E, em qual sentido o foi? E mais, quem a anulou?

Quer dizer que tudo o que Deus estabeleceu como abominação, como odioso aos seus olhos e, por isso, merecedor de castigo, escrito na Lei, foi abolido e não o desagrada mais? Não há código moral e ético vigente? Passamos a viver no “faça o que quer, me deixe fazer o que quero”? Essa mentalidade não está próxima da visão pós-moderna e relativista do mundo atual? Ou, mesmo pior, pois elimina qualquer critério de justiça e moral? Ao menos os relativistas acreditam numa moral pessoal e subjetiva; no conceito acima, não se chega nem a isso. Então, como viveremos? Livres para pecar e cometer delitos?

Outra questão que me vem à mente é: seria Deus mutável ao ponto de alterar sua escala de valores? E dar por errado o que é certo? E dar por imoral o que é moral? E desdizer o que disse? E eliminar o que estabeleceu?... O que se está a defender é a não unidade da Escritura e, por conseguinte, a não perfeição divina.

Cristo é superior à Lei, inclusive, na exigência de se cumpri-la. Não basta uma conduta exterior, mas ela também tem de ser interior. De nada adianta eu não ir para o motel com uma amante, se penso em levá-la e ter conjunção carnal, mesmo que somente em pensamento. De nada adianta não roubar, se o tempo todo estou a cobiçar o que é de outrem. Nem fraudar, se estou a proferir “mentirinhas” a cada dez palavras pronunciadas. Para Cristo, não basta limpar o exterior do copo e do prato, mas o seu interior [MT 23.26]. O que não quer dizer que o exterior não deva ser limpo, também. Acontece que essa é uma questão afeita somente aos eleitos, àqueles que são capacitados por ele a se manterem limpos por dentro e por fora, em seu caráter santificador. Por que Cristo veio nos libertar do jugo da lei, da sua conseqüência mais grave, a condenação, “para que sirvamos em novidade de espírito, e não na velhice da letra” [Rm 7.6]. Paulo, em seguida, arrematou: “Que diremos pois? É a lei pecado? De modo nenhum. Mas eu não conheci o pecado senão pela lei; porque eu não conheceria a concupiscência, se a lei não dissesse: Não cobiçaras” [v.7]. Este é um verso “knock down”, daqueles que lança o interlocutor distraído à lona. Pois, se a lei foi abolida, também o pecado o foi; se a lei foi abolida, não há necessidade de Salvador, nem de salvação, pois todos estão salvos. Se esse é o entendimento, não há necessidade de Evangelho nem de sua proclamação, pois o reino já é efetivamente verdade na vida de todos os homens; e todas as demais promessas que falam de julgamento, tribunal, condenação, juízo, e punição no inferno, não passam de lendas, ou quando muito uma ficção do que poderia ser o futuro, caso a lei não fosse abolida. Paulo ratifica esta idéia ao diz: “porquanto sem a lei estava morto o pecado” [v. 8].

Alguns acrescentarão: mas a lei foi abolida apenas para os salvos, por aqueles que Cristo morreu, o qual pregou-a no madeiro [2]... É, porém, os antilei não a querem também para os ímpios, nem que a sociedade seja regida por ela; preferem uma lei regida e controlada pela mente e pela cultura humana; então, como fica o beco-sem-saída que os antilei criaram para si mesmos?... O certo é que a lei deve ser cumprida por todos, eleitos e réprobos; não como algo apenas espontâneo, que se deve obedecer por vontade própria, mas por coerção, e temor ao castigo oriundo da quebra da lei.

Cristo também disse que não veio abolir a Lei, mas cumpri-la; como exigência para que os eleitos fossem salvos, não para que fossem dispensados de cumpri-la. Isso revelaria um “cristo antinomiano”, que sequer se importaria em cumprir, ele mesmo, a lei. Porque desprezá-la é um claro sinal de rebeldia, e não de obediência, a qual o Senhor sempre teve pelo Pai e sua Lei. Se Cristo tivesse abolido-a, estaria a dar carta-branca para o livre-pecador, de tal forma que não haveria abundância da graça, mas da iniqüidade. Uma perversão no sentido de graça, de justiça e santidade divinas. E o que é pior, anulando-as completamente, o que significaria anular a própria natureza divina.

Somos salvos, mas não somos livres para pecar, ao contrário, somos livres para não pecar.

O erro portanto está em anular o que Deus não anulou; achando que anulou, quando o que o homem quer é anulá-lo para gozar uma liberdade que não se tem.

O próprio julgamento final, e a condenação ao inferno daqueles que descumpriram a lei, demonstram a sua validade, pois como Paulo disse, ninguém é justificado pela Lei, mas por ela todos são julgados e condenados; “de outro modo, como julgará Deus o mundo?” [Rm 3.6]. Cristo veio trazer salvação e redenção para o seu povo, mas o povo que não é seu, será condenado pela Lei, em seu caráter penal. Não se esqueça de que o inferno é a penitenciária de segurança máxima que Deus estabeleceu para o diabo, seus anjos e os ímpios, por toda a eternidade. E lá, a pena não se paga jamais; como o Senhor disse, o inferno é o lugar onde o bicho não morre e o fogo nunca se apaga [Mc 9.44].

O estranho é que, com uma falsa idéia na cabeça, muitos cristãos se opõem ao caráter político da lei, de que o ímpio pode ser punido no inferno, mas não pode sê-lo aqui no mundo. Há até mesmo a defesa da lei humana sobre a divina, numa clara inversão de valores, como se a lei de Deus não fosse atemporal, permanente, para todos os homens e nações. Chega a ser desesperadora a forma como muitos defendem a não aplicabilidade da lei no mundo atual. Como se o crime fosse mais justo do que a sua prescrição legal, como se a pena fosse injusta, e o ato criminoso, assim como o seu autor, devessem estar sempre debaixo da indulgência da sociedade. Essa mentalidade de que somos responsáveis pelo criminoso e o seu crime, mas não somos responsáveis por puni-lo e evitar que incorra novamente em delito, não é somente um tiro no pé, mas na própria cabeça, e na alma de quem pensa assim. Parece-me que a distorção é tão grande, o foco escriturístico perdido há tempos, que não resta outra saída a não ser perpetuar a injustiça, pois a Lei justa, perfeita e santa, assim como é justo, perfeito e santo o seu Autor, Juiz e Executor, que a deu a todos indistintamente, não tem mais lugar no presente século, no mundo moderno.

Contudo, não foi isso o que Cristo disse, como está escrito: "Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas; não vim abrogar, mas cumprir. Porque em verdade vos digo que, até que o céu e a terra passem, nem um jota ou til jamais passará da lei, sem que tudo seja cumprido. Qualquer, pois, que violar um destes mandamentos por menor que seja, e assim ensinar aos homens, será chamado o menor no reino dos céus; aquele, porém que os cumprir e ensinar será chamado grande no reino dos céus. Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no reino dos céus" [Mt 5.17-20].

O Senhor enfatiza duas coisas nestes versos:

1- Ele não veio destruir a lei ou os profetas;

2- Até que o céu e a terra passem, nem um jota ou til da lei passará sem que tudo seja cumprido [e o cumprimento dela no Calvário se deu para os eleitos; mas os ímpios estão debaixo dela, e sujeitos a ela, no que ainda ela não se cumpriu integralmente, o que acontecerá no Juízo Final].

3- Qualquer que violar um destes mandamentos e assim ensinar aos homens será chamado o menor no reino dos céus.

4- Qualquer que ensinar e cumpri-los será chamado grande no reino dos céus.

Interessante que o Senhor usa a expressão “jota e til” para indicar os menores e menos importantes detalhes da lei, porém, como provenientes de Deus, são duradouros e devem ser observados. Promover a injustiça torna o seu promotor em injusto; defender a não cumprabilidade da lei é um erro gravíssimo, uma rebelião com sérias conseqüências e riscos aos que assim pensam, porque, ao assim agirem, estão a tentar enfraquecer a sua obrigatoriedade, a diminuir a sua abrangência, destituí-la de significado e relativizar o absoluto; um golpe atrevido por demais, com a intenção de tornar em verdade a mentira, de se reescrever a palavra de Deus pela fraude de uma pretensa espiritualidade.

Defender a descontinuidade da lei em seu aspecto legal, tanto civil como penal, é proclamar o reino da injustiça e dizer que nos tornamos mais sábios do que o próprio Deus, por isso, desprezamos o seu conselho, ficando com o nosso. Ou será que o salmista também perdeu-se no tempo, juntamente com a sua afirmação de que “abomino e odeio a mentira, mas amo a tua lei” [Sl 119.163]? Há descontinuidade na Bíblia? Ou temo-la por inteira, como a fiel palavra de Deus?

Sabemos que Cristo aboliu o caráter sacrificial e cerimonial da Lei, pois não é mais necessário que se imole carneiros e bodes para expiar os pecados, pois o Senhor já o fez por nós, uma única vez, na cruz. Portanto, não há essa necessidade; até mesmo porque Paulo nos diz que o sacrifício de touros e bodes não pode expiar os pecados, pelo contrário, imolá-los significava comemorar os pecados... De tal forma que sacrifícios, holocaustos e oblações pelo pecado não lhe agradaram, mas eis que Cristo veio para fazer, ó Deus, a tua vontade. “Tira o primeiro, para estabelecer o segundo” [Hb 10.9]. Deus não se agradava do primeiro sacrifício, por isso ele foi tirado e substituído pelo segundo, o qual Cristo o cumpriu integralmente, e do qual o Pai se alegrou. Aqui temos claramente uma ordem divina abolindo a lei sacrificial, pois ela era “sombra dos bens futuros; e não a imagem exata das coisas” [Hb 10.1]. Eram como símbolos apontando para o Redentor e Salvador das almas daqueles que creriam, e por isso, cumpriram a lei cerimonial ao sacrificar os animais; mesmo sabendo da sua inutilidade para expiar os pecados, mesmo sabendo que teriam de voltar a fazê-lo ano após ano, mas reconheciam a necessidade de obediência, de se observar aquilo que Deus estabelecera como prova de sujeição e amor ao seu santo e bendito nome. Quem pode questioná-lo?, diria Paulo; mas, quem és tu ó homem que a Deus replicas? [Rm 9.20].

As contradições no pensar do crente atual é que me são estranhas, por como pensam e o que pensam. De um lado, dizem que a Lei Moral, resumida nos Dez Mandamentos, prevalece para hoje e para o crente. Porém negam haver continuidade da lei judicial e penal, assim como da lei civil. Ora, se a Lei Moral condena pecados descritos e condenados na lei judicial e penal, bem como na civil, como se é possível defender um ponto e não defender os outros? Ou apenas se defende a exposição dos pecados sem defender a punição? A lei civil e penal nada mais é do que o detalhamento da Lei Moral, a fim de que o homem, em sua corrupção, não distorça e anule a Lei em sua aplicabilidade, fazendo-se ele mesmo legislador e juiz da sua causa.

Para piorar a situação, a base bíblica usada para a abolição da lei, não existe. Há várias distorções do seu sentido, confundindo-o com graça, salvação, evangelismo; confundindo-o com o caráter expiatório de Cristo, mas nada que corrobore a sua não legitimidade. O que normalmente se faz é afirmar uma coisa e negar as outras, sentenciando-as como verdade sem o respaldo escriturístico, o que as tornam falsas em suas afirmações de pôr fim ao pecado e as obras do mal, acusando-as sem condená-las. Seria dizer que o tiro matou, mas a bala não foi a causadora da morte, e sim o estampido da arma. Isso apenas descredencia o Evangelho, divide-o, esfacela-o, e faz de Deus um deus ambivalente, ao desejar que o seu povo ame a lei, e instantes depois a desprezem [visto que o ódio dos ímpios é natural, pois está a coibir-lhes a natureza pecaminosa]. Desta forma, constroem sobre o fundamento, Cristo, paredes de pau-a-pique tortas, que à primeira fagulha, ateia-se fogo em toda a casa, ainda que o fundamento não possa jamais ser queimado ou destruído. Tornam suas afirmativas em especulações sem fundamento, cuja base é tão somente opinativa ou pessoalmente preferencial, a partir de generalizações vagas e infundadas.

Outro erro é dizer que a lei somente pode e deve ser cumprida pelo crente, que através da regeneração e pelo poder do Espírito Santo buscará a santificação. Seria o que se chama de integridade ética aplicada na integralidade de vida. Ela serviria como parâmetro para se avaliar a vida cristã, "como um termômetro a medir a intensidade do nosso amor por Deus, da obediência à lei dele e da nossa dependência dele para a vida" [3]. Acontece que a Lei foi dada para a nação de Israel, o que representa dizer que foi entregue a crentes e descrentes, como o plano de Deus para que assim houvesse justiça e paz social, muito além do seu caráter meramente pedagógico [como aio] ou didático. Não se pode excluir o efeito justo e pacificador da Lei, pois ela foi produzida pelo Deus santo, perfeito e justo, e aplicável em todos os tempos e a todos sem exceção, como freio à desordem e incitação à ordem. Essa é a vontade de Deus, que não fosse revogada; porém é rejeitada exclusivamente porque, na sua mente, o homem caminha num processo de evolução, de melhoria, quando sabemos ser essa outra mentira. O humanismo fez com que o homem encontrasse em si mesmo a bondade [inexistente, falsa], e o fez crer que era bom, e o fez crer que essa bondade o restauraria, e consigo toda a sociedade. Por isso as leis são cada vez mais frágeis, contemporalizadoras com o mal, ao ponto em que se cumpre o que Isaias disse: tornam o mal em bem, e o bem em mal; fazem das trevas luz, e da luz, trevas [Is 5.20].
Portanto, quero fazer um desafio: alguém se habilita a provar, biblicamente, a descontinuidade da lei judicial, penal e civil, sem que se afete a unidade da Escritura?

Porque se abolindo a Lei, um dos pilares, a estrutura bíblica desmorona-se. E o que sobrará então, além da descrença? A impiedade dos ímpios; e a desonra a Deus pela rejeição da Lei, e a abolição do Evangelho.

Notas: [1] "Lei & Evangelho", Editor: Stanley Gundry, Ed. Vida, pg. 39, edição esgotada [2] Novamente, indico a leitura do meu texto "Lei e Graça: revelação divina"

FORUM: HARMONIA DA LEI E DO EVANGELHO

Por que a Lei foi dada?1
Por John Piper

Um dos meus grandes desejos para a nossa igreja é o de que sejamos um povo que entende a Lei de Deus e a cumpre no Espírito de amor. A lei que Deus deu a Moisés no Monte Sinai, poucos meses depois de trazer o povo para fora do Egito, foi vítima de algumas más impressões no passado, por algumas centenas de anos. A minha opinião é a de que existe muita confusão em nossa mente quando lemos por um lado Romanos 6:14: “Porque o pecado não terá domínio sobre vós, pois não estais debaixo da lei, mas debaixo da graça”, mas, por outro lado, Romanos 3.31: “Anulamos, pois, a lei pela fé? De maneira nenhuma, antes estabelecemos a lei”. 

Os equívocos quanto à Lei Mosaica

Parte da nossa confusão é causada pelo simples fato de que a palavra “lei” no Novo Testamento tem, pelo menos, três diferentes significados quando usada em diferentes contextos. Pode referir-se ao Antigo Testamento inteiro, como em Romanos 3:19 (onde as citações precedentes vêm dos Salmos e dos Profetas). Pode referir-se à parte do Antigo Testamento, como quando Jesus disse: “Não cuideis que vim destruir a lei ou os profetas: não vim ab-rogar, mas cumprir.” (Mateus 5.17). Especificamente, pode referir-se à parte do Antigo Testamento escrito por Moisés, os cinco primeiros livros, chamado de Torá. Por exemplo, Jesus disse em Lucas 24.44: “E disse-lhes: São estas as palavras que vos disse... Que convinha que se cumprisse tudo o que de mim estava escrito na lei de Moisés, e nos profetas e nos Salmos”. O terceiro significado da palavra “lei” diz respeito não a uma parte diferente do Antigo Testamento, mas ao Antigo Testamento entendido de uma maneira diferente. Veremos logo à frente o quanto Israel distorceu a Lei Mosaica em legalismo. Isto é, eles a separaram de seu fundamento de fé, falharam em enfatizar a dependência do está errada. Ela faz de Moisés um Fariseu legalista, transforma a Torá na mesma heresia que Paulo condenou na Galácia, e (o pior de tudo) faz de Deus o seu próprio inimigo, ordenando aquele povo a tentar merecer Sua bênção (e, assim, exaltar a si mesmo) em vez de descansar em Sua misericórdia toda-suficiente (e, assim, exaltá-Lo).
Tentarei defender Moisés desse equívoco dando a vocês, em poucas palavras, uma teologia bíblica da Lei. Esse é um tópico enorme, mas, se nos esforçarmos juntos neste pequeno esboço, podemos plantar essa semente na nossa mente até que ela cresça e vire uma grande árvore de discernimento. Aqui está o que eu farei: mencionarei os cinco pontos que quero expor, então voltarei e darei a base bíblica para cada um deles, para depois resumi-los todos em seguida. Fecharemos cantando a beleza da Lei de Deus com o Salmo 19.  Primeiro: a Lei é cumprida quando amamos nosso próximo. Segundo: o amor é o resultado da autêntica fé salvífica. Terceiro: portanto a Lei não chama por obras meritórias, mas por obediência que flui da fé. Quarto: sendo assim, devemos obedecer os mandamentos do Antigo Testamento da mesma maneira que devemos obedecer os mandamentos do Novo Testamento – não para merecermos o favor de Deus, mas porque nós já dependemos de sua livre graça e confiamos que seus mandamentos conduzirão à completa e duradoura alegria. Quinto: devemos ter prazer na Lei de Deus, meditar nela de dia e de noite, e cantar sobre o seu valor para todas as gerações.

O amor cumpre a Lei.
Em primeiro lugar, o amor é o cumprimento da Lei. O texto crucial aqui é Romanos 13:8-10:
“A ninguém devais coisa alguma, a não ser o amor com que vos ameis uns aos outros; porque quem ama aos outros cumpriu a lei. Com efeito: Não adulterarás, não matarás, não furtarás, não darás falso testemunho, não cobiçarás; e se há algum outro mandamento, tudo nesta palavra se resume: Amarás ao teu próximo como a ti mesmo. O amor não faz mal ao próximo. De sorte que o cumprimento da lei é o amor. (Veja também Gálatas 5:14) “
Paulo não estava correndo um grande risco quando resumiu a Lei inteira em um mandamento. Ele tinha a autoridade de Jesus para assim o fazer. Jesus disse em Mateus 7:12: “Portanto, tudo o que vós quereis que os homens vos façam, fazei-lho também vós, porque esta é a lei e os profetas.”. Tiago disse de forma um pouco diferente: “Todavia, se cumprirdes, conforme a Escritura, a lei real: Amarás a teu próximo como a ti mesmo, bem fazeis.” (Tiago 2:8). Então, temos três testemunhos no Novo Testamento de que o que Deus está tentando fazer por meio da Lei é fazer de nós pessoas amorosas. Cada mandamento, diz Romanos 13:9, tem o amor como seu objetivo. Então, o primeiro ponto em nossa resumida teologia da Lei é que a Lei é cumprida em nós quando amamos o nosso próximo.

O amor é fruto da fé

O segundo ponto é: o amor não é uma obra que nós fazemos por nós mesmos para termos mérito com Deus; ele é o fruto da fé nas promessas de Deus. Seguramente, o genuíno amor conduzirá a grandes obras. Mas não é sinônimo de obras. É maior do que as obras, antecede as obras e habilita as obras. Há várias pessoas que laboram para Deus e para o próximo que não o fazem por amor. O amor é mais do que práticas religiosas e serviços humanitários. É por isso que Paulo pode dizer em 1 Coríntios 13:3: “E ainda que distribuísse toda a minha fortuna para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria.” Talvez alguém pergunte: “Se você puder morrer por alguém e não tiver amor, o que é amor, então?”. A resposta é que o amor não está no mundo. “O amor é de Deus” (1 João 4:7). Onde não há fé unindo o coração a Deus, não há verdadeiro amor. O amor é o resultado da genuína fé salvífica. Aqui estão as passagens chaves: Gálatas 5:6: “Porque em Jesus Cristo nem a circuncisão nem a incircuncisão tem valor algum; mas sim a fé que opera pelo amor.” A origem do amor é o coração da fé. Mais abaixo, em Gálatas 5:22, o amor é chamado de fruto do Espírito. Em outras palavras, é algo que não podemos produzir sem a capacitação de Deus. Então, como nos tornamos pessoas amorosas? Gálatas 3:5 responde: “Aquele, pois, que vos dá o Espírito, e que opera maravilhas entre vós, fá-lo pelas obras da lei, ou pela pregação da fé?”. O caminho pelo qual o Espírito vem a nós é a fé nas promessas de Deus; e, quando ele vem, o fruto que ele produz é o amor. Portanto, o amor é o fruto do Espírito e o resultado da fé. Em 1 Timóteo 1:5, Paulo coloca isso da seguinte maneira: “Ora, o fim do mandamento é o amor de um coração puro, e de uma boa consciência, e de uma fé não fingida.”. Apenas a fé genuína resultará em amor.
Penso que podemos ilustrar a forma como isso funciona com a nossa presente situação aqui na Igreja Bethlehem. Há três decisões significantes que provavelmente tomaremos no fim de janeiro: se compraremos o imóvel ao lado para futura expansão ou estacionamento, se revisaremos a convenção da igreja e se chamaremos um pastor assistente para ministérios de jovens e adultos e uma obreira para cuidar das crianças. Estou ansioso para ver essas três coisas acontecerem. Mas também sei que alguns se opõem a uma delas, outros, há duas, e alguns se opõem a todas as propostas. Como se parecerá esse amor entre aqueles de nós que discordarão pelos próximos três meses, e de onde ele virá?
O amor é paciente e bondoso; o amor não é ciumento ou orgulhoso; não é arrogante ou rude. Ele não procura evitar um irmão de quem discorda, não é carrancudo, não espalha rumores ou fala mal do próximo, não tapa os ouvidos para as evidências. Em vez disso, o amor se regozija na verdade e é pacífico, gentil, aberto para discutir. O amor olha as pessoas nos olhos e comunica boa vontade. O amor não importuna, não é autopiedoso, não usa ultimatos para conseguir o que quer. É assim que o amor se parecerá nos próximos três meses. E que oportunidade tremenda nós temos para provar a nós mesmos e para o mundo que a nossa paz não é baseada em mera uniformidade. Não é preciso nenhuma graça cristã para viver em paz onde todos pensam e sentem da mesma forma. Então, o tempo de controvérsia em que nos encontramos não é mau; é uma boa oportunidade para testarmos se existe graça dentro de nós ou não.
Quando eu listei para mim a demanda do amor, sabia o que devia fazer. Devia apoiar minha fé em algumas promessas. Promessas como:
Eu edificarei a minha igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela. (Mateus 16:18) Não te deixarei, nem te desampararei. (Hebreus 13.5) Porque, assim como desce a chuva e a neve dos céus, e para lá não tornam, mas regam a terra, e a fazem produzir, e brotar, e dar semente ao semeador, e pão ao que come, assim será a minha palavra, que sair da minha boca; ela não voltará para mim vazia, antes fará o que me apraz, e prosperará naquilo para que a enviei. (Isaías 55:10 e 11)
Quando acalmo meu coração com essas coisas e percebo de relance o futuro claro e soberano de Deus, então posso amar de novo. Não me sinto mais ameaçado. Não me sinto nervoso, deprimido ou ansioso. Sinto que meu futuro está sendo cuidado. E, se eu me sinto cuidado por completo, então parece muito natural querer cuidar de vocês, olhar vocês nos seus olhos, sorrir para vocês e querer apenas o seu melhor. O ponto é: seja qual for o grau de expressão desse amor divino de uns pelos outros, será devido à fé nas promessas libertadoras de Deus. 

A Lei, quando chama para o amor, chama para a Fé.
O primeiro ponto em nossa teologia da Lei foi que o amor cumpre a Lei. O segundo ponto foi que o amor surge somente pela fé nas promessas de Deus. O terceiro ponto, portanto, é que a Lei não chamava para as obras meritórias, mas para a obediência que flui da fé. Se amor é o que a Lei objetiva, e somente a fé pode amar, então a Lei deve ensinar a fé. Isso é o que tem sido negligenciado tão frequentemente. Mas isso pode ser mostrado no ensino de Paulo e no ensino da própria Lei. A passagem chave é Romanos 9:30-32. Aqui Paulo explica por que Israel não cumpriu a Lei mesmo tendo-a buscado por séculos. Ele diz:
Que diremos pois? Que os gentios, que não buscavam a justiça, alcançaram a justiça? Sim, mas a justiça que é pela fé. Mas Israel, que buscava a Lei da justiça, não chegou à Lei da justiça. Por quê? Porque não foi pela fé, mas como que pelas obras da Lei.
A pequena frase “como que” é tremendamente importante. Mostra claramente que Paulo não cria que Deus pretendia que a Lei fosse obedecida por “obras”. Isto é, se você trata a Lei como uma descrição de como merecer o favor de Deus, você está fazendo algo a que a própria Lei se opõe. A Lei em si mesma é contra “as obras da lei”.
A Lei nunca ordenou ninguém a tentar merecer sua salvação. A Lei é baseada na fé nas promessas de Deus, não em esforços legalistas. O erro de Israel não estava em buscar a Lei, mas em buscar a Lei pelas obras e não pela fé. (Veja Romanos 3:31; Mateus 23:23).
Agora vamos olhar para a Lei propriamente dita. Os dez mandamentos são o coração da aliança Mosaica e são encontrados em Êxodo 20. Israel havia chegado no deserto do Sinai três meses após o êxodo do Egito. A agonia da escravidão e o livramento pelo Mar Vermelho estavam vividos em suas memórias. (Pense o quão vívido o campo de concentração ainda estava três meses após sua liberação pelos aliados!). Um dos propósitos de Deus no êxodo era levar o seu povo a confiar nEle, que Ele tomaria conta deles e os levaria à terra prometida. Êxodo 14:31 diz: “E viu Israel a grande mão que o SENHOR mostrara aos egípcios; e temeu o povo ao SENHOR, e creu no SENHOR e em Moisés, seu servo.”
Portanto, quando os dez mandamentos começam: “Eu sou o SENHOR teu Deus, que te tirei da terra do Egito, da casa da servidão. Não terás outros deuses diante de mim” (Êxodo 20: 2,3), Deus estava dizendo: “Lembrem de como eu demonstrei o meu amor por vocês e do meu incomparável poder em favor de vocês! Confiem em mim agora, e não olhem para mais nenhuma fonte de ajuda”. Os dez mandamentos estão baseados em um chamada para a fé no Deus do êxodo, assim como os ensinamentos morais do Novo Testamento estão baseados em uma chamada para a fé no Senhor da Sexta-Feira da Paixão e da Páscoa.
O êxodo era um sinal para Israel, assim como a morte a ressurreição de Jesus são sinais para a Igreja. O significado do sinal é o de que Deus é por você, trabalhará por você e tomará conta de você se você confiar somente nEle. O evento passado do êxodo é um sinal da disposição de Deus em ajudar Israel no futuro. Portanto, a fé que Deus objetiva produzir através do êxodo é uma confiança de que Deus fará conosco no futuro o que ele fez no passado. Isso fica bem claro em Deuteronômio 1:29-32, quando Moisés contou por que Israel se recusou a entrar na terra prometida e foi forçado a vaguear 40 anos no deserto. Moisés tinha dito a eles quando eles se aproximavam da terra prometida pela primeira vez: “O SENHOR vosso Deus que vai adiante de vós, ele pelejará por vós, conforme a tudo o que fez convosco, diante de vossos olhos, no Egito... Mas nem por isso crestes no SENHOR vosso Deus” (Veja também Números 14:11, 20;12; Deuteronômio 9:22-24). O êxodo foi um sinal de que Deus cuidaria de Israel no futuro. Por tanto, o êxodo era o fundamento da fé de Israel. E essa fé é a base da Lei. A Lei de Moisés simplesmente explica detalhadamente a forma como os Israelitas viveriam se eles sentissem que o futuro deles estivesse seguro em Deus. Você não rouba se o seu futuro estiver seguro em Deus. Você não pode abusar dos outros, matar, mentir, seduzir a esposa dos outros ou desobedecer seus pais, se você realmente crê que o Deus do êxodo e o Deus da Páscoa está trabalhando para dar o futuro que é melhor para você. Todos esses pecados vêm pelo fato de não se crer em Deus. A Lei é a descrição da obediência da fé; não é uma descrição de como merecer as bênçãos de Deus.

A Lei é cumprida pela obediência da fé

Então o primeiro ponto na nossa teologia da Lei foi que o amor cumpre a Lei. O segundo ponto foi que o amor é o resultado da fé. E o terceiro ponto foi que, em razão disso, a Lei em si mesma não demanda obras meritórias, mas apenas a obediência que vem da fé. O quarto ponto flui naturalmente, isto é: nós devemos, portanto, obedecer (ou cumprir) os mandamentos do Antigo Testamento do mesmo modo que devemos obedecer os mandamentos do Novo Testamento – não para ganhar o favor de Deus, mas por que nós já dependemos de sua livre graça e confiamos que seus mandamentos nos levarão à completa e duradoura alegria. Claro que, desde que Cristo veio e cumpriu a parte sacrificial do Antigo Testamento (1 Coríntios 5:7), declarou todas as comidas como puras (Marcos 7:19), e encontrou um novo povo de Deus, o qual não é um grupo étnico ou nacional, muitos dos mandamentos do Antigo Testamento não se aplicam a nós (por exemplo, as leis dietéticas, leis a respeito de sacrifícios, leis pertencentes a organizações políticas e ações nacionais). Mas vastas porções do Antigo Testamento descrevem dimensões de obediência que são verdadeiras para o povo de Deus em qualquer era.
Romanos 8:3,4 ensina que a Lei em si mesma não tem poder para produzir esse tipo de obediência. A letra mata; é o Espírito que dá vida (2 Coríntios 3:6). Portanto, Deus enviou Cristo para expiar o pecado (Romanos 8:3), para que ele pudesse derramar o Espírito Santo em nossos corações, “para que a justiça da lei se cumprisse em nós, que não andamos segundo a carne, mas segundo o Espírito”. Portanto, Paulo ensina que nós não devemos deixar a Lei para trás, nem rejeitar a Lei por alguma outra coisa, mas cumprir a Lei no poder do Espírito Santo através da fé que resultará em amor.

Devemos ter prazer na Lei de Deus e cantar sobre o seu valor

Em conclusão, então, os pontos são esses: primeiro: a Lei é cumprida em nós quando amamos nosso próximo como a nós mesmos. Segundo: o amor é o resultado da genuína fé salvífica. Terceiro: dessa forma, a Lei não nos ensina a tentar produzir obras meritórias, mas apenas nos ensina a confiar no Deus misericordioso do êxodo e viver em obediência que vem da fé. Quarto: portanto, a aliança Mosaica não é fundamentalmente diferente da aliança Abraâmica ou da Nova Aliança, porque nós devemos obedecer os mandamentos das três pelo mesmo motivo – não para ganhar o favor de Deus, mas porque nós já dependemos de sua livre graça e confiamos que os seus mandamentos nos levarão à completa e duradoura alegria. O ponto final, então, é que nós devemos ter prazer na Lei do Senhor, meditar nela de dia e de noite (Salmos 19:97), e cantar do seu valor para todas as gerações (Salmo 19:7- 14).

Traduzido do artigo original Why the Law Was
Given (15 de Novembro de 1981), extraído de
www.desiringgod.org
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Traduzido por Saulo Rodrigo do Amaral, em julho de 2009.

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

ESCOLA BÍBLICA DOMINICIAL INICIO 20.02.2011

FÓRUM DE DEBATE. TEMA:"A HARMONIA DA LEI DE DEUS E O EVANGELHO".

Será desenvolvido nas aulas da escola bíblica um forum para debate do assunto que muito tem atormentado e dividido crentes. A harmonia da Lei de Deus e do Evangelho. Aplica-se a Lei de Deus a Igreja? A lei foi revogada? São estas e outras perguntas que serão respondidas aos alunos. Participe e aprenda.
XIII — DA HARMONIA ENTRE A LEI E O EVANGELHO (Declaração de Fé Batista Nacional)
Cremos que a lei de Deus é a regra eterna e imutável de seu governo moral;
que é santa, justa e boa, e que a incapacidade atribuída pelas escrituras ao
homem decaído para cumprir os seus preceitos, deriva inteiramente do amor
que ele tem pelo pecado; que um dos grandes objetivos do evangelho e dos
meios da graça relacionados com o estabelecimento da igreja visível, é o de
libertar os homens do pecado e restaurá-los, através de um Mediador, à obediência
sincera à santa lei. (SI 19.7-11; Mt 5.17; 16.17,18; Lc 16.17; Rm 3.20,31;
4.15; 7.7,12,14,22; 8.2-4; 10.4; 1Co 12.28; Gl 3.21; 1Tm 1.15; Hb 8.10; Jd 20,21).
                                                                   Marcel Lopes Batista, seu servo